Nada além de uma possibilidade tacanha

Érico Braga Barbosa Lima

Nada além de uma possibilidade tacanha
fuga
é sempre o nome das vezes em que me apreendi
e nada aprendi
     às vezes,
e somente às vezes
sigo mais de perto aquela imagem,
     um fantasma
onde?
é lá que ele está. Sigo bem mais de perto um pouco e vejo
onde ele mora em uma casa aqui de dentro espectro duro
de um lamento que não sei se quis sair ou quando ou se quis ou se

decerto haverá quem o tenha visto
até mesmo quem o venha visitar...
outros... (há sempre uma sombra doente para um fantasma velho
um burel de ditado roto - pergaminho morno)

Outros.
Os que circundam a casa velha -
esses que suponho -
como colibris sobrevooam a roseira
(que seja um
     roseiral... que importa?)
nem desconfiam que não há mais mel
     nem Merda nenhuma
que a roseira é o fantasma
Não desconfiam que para eles mesmos - fantasmas de cabeças ocas etéreas fracas sem graça insossas... péssimas cabeças, enfim -
não desconfiam que para eles o mundo
é assombração

e um talvez

     tamanho do não

fantasma, cena, idéia onde estava
aquela imagem tão bela?
era imagem?
onde estava por onde errava que já se foi?
qual imagem restava em que sela
de cavalo célere
s'
     evaporou?

por que novos olhos
     se apaixonou?

Íntima quimera: minha imagem
esfiapada...
     ...uma seda tão singela...

     ...como feltro
em lanhos de unhas férreas ancinho
     de dentes de farpa
uma imagem no tempo se esgarça
e a memória com córneas de angústia
retém farrapos

todo fantasma em andrajos se arrasta
toda vontade pétrea se evola
toda saudade é fresca resina
que prende insetos
de asas estranhas
e vítimas patas

medíocres
     mesquinhas

na casca da fruta um beijo voraz do peso da terra a suga ...
do caule descola para o ventre
tola
tonta

     decola...

Meu quarto
     é feito de árvores mortas

não de sumos não de frutas folhas mas cascas
Nenhuma árvore me conta nada não existe nada
vivo à minha volta que me conte a história da fruta, a história da árvore
É um êxito absurdo impossível arrancar vida do que é duro espesso oco marrom geométrico uniforme onde apoio meus braços, minha cabeça pende e observa o quadrado e a chapa que me
observa

há vida num quadrado?

onde foi que vi um olho me olhando naquilo?

quantos quadrados riam de mim redondo? quadrados pequenos, quadrados médios, mil quadrados, olhando meus olhos com olhos quadrados, quando me viram olhando seus olhos gozados?

Minha estante tem cílios quadrados.

Cílios postiços é claro.

Com o verniz incenso pulmão estragado transbordante cola triste que perfuma o mogno colado
eu vi seu riso de dentes eretos

mil dentes precisos
retângulos

     quadrados.

Será que a madeira ria na serra
da serra ao fio,
ao golpe do machado?
No pêndulo certo de quarto período
     no pêndulo preto que soma quedas
sobre quedas
sobre quedas
sobre quedas
no pêndulo preto
que ovula quadrado
um líquido espesso
preto pesado
que oscila em um único
     verso
num modo
prum lado
no pêndulo preto
que reza o rosário
que não une as pontas
que reza o rosário
     de finitas contas
no pêndulo preto
que conta ao contrário
o tempo da vida
     no senso amargo
o pêndulo preto
que é simples enxada

na hipérbole enxuta
que crava e cava

calada
calado

eu vi o fantasma

E então nesse verso de versos quadrados de cílios enxutos eu vi meu fantasma de olhos bem pretos reflexo amargo cavando a saudade enterrando farrapos eu vi meu fantasma andando sem brio com a enxada sem estro usada ao contrário na fuga tacanha de outros fantasmas grudando na casca insetos gozados guardando feridas nos beijos das frutas chamadas ao vento sem ventre ou imagem verniz nos meus olhos meus olhos quadrados eu vi os fantasmas de olhos molhados chorando a vida sem vôo e saudade e vi na madeira da árvore esguia um riso de troça um riso engraçado a imagem de um moço cabeça pendida ao jugo do tempo...

     cortada ao machado